sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Uma certa manhã do ano 49 AC


Acordei cedo! A minha garganta estava seca

como as estradas de Híspalis.

Jurei por Juno nunca mais beber o vinho gaulês.

Como sempre não cumpri o juramento, agora estava me sentindo

o último dos homens.

Desci para o átrio, não quis comer nada e continuei descendo

até chegar ao meu jardim favorito.

Meu servo hebreu recebeu-me com uma longa reverência, como se fosse

a primeira! Ou a última.

Ao erguer-se eu notei que havia chorado! Intrigado perguntei:

_ O que aconteceu Jessé?

O homenzinho nada respondeu, limitou-se em baixar a cabeça! Repeti a pergunta,

a resposta veio em forma de um pedido:

_Senhor, não vá ao senado hoje!

Olhei espantado e sorri! Mas resolvi deixar aquela conversa de servos para outro dia.

Comecei o meu caminho pela alameda sentindo o frescor primaveril que emanava das

árvores frondosas. Ia caminhando e lembrando que Jessé era um servo dado ao ocultismo, coisas

meio obscuras que ele trouxe da Palestina. De vez em quando vinha com

essas estórias de visões e pressentimentos! Não consegui evitar uma gargalhada, realmente

eu nunca acreditei nessas superstições bárbaras.

Ao chegar no portão principal encontrei Marco Antônio. O rosto sereno do meu velho amigo me fez esquecer por completo a conversa do servo hebreu. Uma liteira nos esperava, enquanto os quatro núbios corriam pelas ruas eu pensava no meu discurso daquele dia importante.

Não gostava de fazer planos nem anotações, mas confesso que sentia falta de uma pequena orientação prévia! Sorri em pensamento, pois isso nunca havia me passado pela cabeça.


Ao chegarmos nas imediações do senado, notei que duas figuras conhecidas esperavam

não sei por quem! Parados no último degrau da grande escadaria Crassus e Públio sorriam

de modo estranho! Assim que Marco Antônio desceu da liteira, os dois se aproximaram e fizeram-no parar, estranhei mais ainda quando eles levaram Antônio para fora do recinto do senado! Mas não dei muita importância e fui subindo as escadas! Foi a subida mais longa da minha carreira, pois em cada dois ou três degraus era obrigado a parar para atender senadores que me beijavam as mãos e pediam perdão. Quando conseguia me livrar de um grupo logo em seguida outros me abordavam! Aquilo se seguiu até eu gritar uma ordem para que me deixassem

seguir. Não pude conter a minha cólera, isso fez com que aqueles que ainda não tinham chegado a mim desistissem completamente.


Consegui finalmente entrar no grande saguão! Assim que coloquei a minha toga de senador comecei a receber punhaladas de todos os lados. Mas eu não sentia dor! Meus olhos estavam de forma tal fixos no corredor que terminava na parede donde o busto de Pompeu me observava.

Mas eu não olhava para Pompeu, meus olhos estavam voltados para uma outra pessoa, um rosto de um amigo, um filho que eu amava. As punhaladas continuaram, mesmo assim consegui me livrar dos agressores e corri até essa pessoa! Parei diante dele, com as duas mãos sobre seus ombros perguntei: " Tu quoque, Brute filli mei"? A resposta não demorou! Uma pulhalada certeira vinda de quem eu jamais desconfiara, penetrou fundo em meu peito.


Foi o único golpe traiçoeiro que eu realmente senti! De todos os golpes que recebi, foi só este que doeu! A dor de toda uma vida estava concentrada naquela lâmina. Caí de joelhos em frente ao busto de meu inimigo, com as últimas forças olhei para a escultura, Pompeu sorria! Fechei meus olhos no centro de uma poça de sangue, para abri-los aqui, donde pretendo observar os destinos de minha cidade! Destinos esses que ficaram nas mãos do meu sobrinho, aquele que fez com que o meu fiel amigo Antônio traísse a minha memória e não conseguisse viver a sua culpa! Aquele que quis a mulher que eu amei para si, não conseguindo fez com que ela morresse sobre o corpo de Marco Antônio! Esse mesmo homem se auto intitula Augusto e carrega o meu nome como sinistro despojo.


Hoje converso com Jessé, que morreu de tristeza quando eu não quis ouvi-lo! Ele está ao meu lado! Já não é meu servo, somos iguais neste lugar! Talvez meu único amigo em vida,

continua ao meu lado,

fez questão de vir horas antes

e me esperar.

Um comentário:

Helena Erthal disse...

Creio que, somente você consegue transcrever a história como se estivesse vivendo-a... o detalhe de escrever em primeira pessoa não é o indicador mais forte, mas sim os detalhes poéticos tão próprios das situações!! Só você!!
beijos