Parte um.
O tempo não estava muito bom, mas isso não desanimaria Hiram Bingham. Mas já eram 10 horas da manhã quando ele decidiu sair de sua tenda, plantada no coração dos Andes peruanos. Caía uma chuvinha fina, naquele 14 de julho de 1911. Na noite anterior, o taberneiro do lugar, se é que se pode atribuir tal nome ao dono de um estabelecimento tão humilde, inflamara a imaginação do explorador ao mencionar a existência de ruinas incas nas vizinhanças. E agora aquele homem alto e pensativo observava a torrente ruidosa que a água da chuva acumulava no fundo do cânion formado pelo Rio Urubamba, mas não parecia muito otimista. Inúmeros relatos similares já o haviam colocado em lugares nos quais só encontrara como vestígios, meros alicerces e velhas cabanas meio soterradas. Com esse espírito e a chuva recrudescendo, Hiram resolveu voltar para a taberna. Sentou-se desolado fazendo um balanço mental das suas aventuras até aqui. Já perdera duas lhamas de transporte, três guias peruanos simularam alguma doença e sumiram na névoa andina e os quatro carregadores índigenas restantes moviam-se como se fossem tropeiros de lesma. Balançando a cabeça negativamente fez com que o taberneiro voltasse para atrás do balcão com a jarra de vinho. Ao perceber isso Hiram chamou o homem de volta, este retornou à mesa sem entender nada. Hiram não o convidou, mas mesmo assim o gordo e suarento nativo sentou-se num mocho ao seu lado:
_ Doutor! O senhor está perto de encontrar a vila perdida de Vilcabamba! Disse o taberneiro servindo o vinho.
Ele sabia muito bem do que o gordo estava falando, aliás também supunha que essa cidade teria sido o último reduto inca na luta contra os conquistadores espanhóis. Um pouco antes haviam descoberto uma crônica autobiográfica ditada por um dos últimos soberanos incas, que fornecia novos indícios sobre a localização da cidade. Sem saber o mínimo do que o arqueólogo estava pensando, o homem gordo pigarreou e recomeçou a falar com ar de entendedor:
_ Mas o Dr. sabe, se precisar de alguém para guia ou para chefiar a expedição eu estou à sua disposição! Olhou para o americano e não notou nenhuma reação, nem contra muito menos a favor. Então deu um suspiro e voltou para os seus afazeres dos quais também não entendia muito. Nem o explorador menos o taberneiro notaram que havia alguém atrás da porta
escutando atentamente a conversa.
Hiram aos 35 anos, parecia mais um homem de 50, não na sua aparência, mas nos seus olhos cheios de decepção. No ano anterior havia deixado o seu emprego de professor de História Latino Americana na Universidade de Yale. Já não possuia tantos recursos para empreender uma expedição como determinam os moldes do bom senso.
Segurava o copo cheio de vinho ainda intocado contra a luz da porta, quando uma sombra interrompeu a sua caleidoscópica visão. Hiram afastou o copo olhou para o recém chegado com o mesmo interesse que olharia um tatú cruzando a trilha. Mais alto que o próprio professor, o
desconhecido pelo povo local tirou o chapéu surrado e se apresentou:
_ Melchor Arteaga, seu criado. Ele já tinha ouvido frase semelhante umas duas mil vezes desde que chegou ao Perú, portanto aquela não lhe despertou de seu hibernar matutino. O homem não se mexeu do lugar e ainda de pé na frente da luz recomeçou sua fala:
_ Eu soube que o Sr. procura a cidadela perdida! mas tem que encontrar os "portais" primeiro.
Hiram pela primeira vez naquela manhã chuvosa abriu os seus olhos. Virou a cabeça lentamente e perguntou:
_ Portais?
_ Sim! Respondeu Melchor batendo a água de sua capa de lã.
O Arqueólogo já tinha estudado algo parecido ainda no início de seu curso com um velho professor que era considerado lunático pelos seus colegas. O tema não despertava muito interesse entre os alunos, mas ele costumava treinar seu lado esotérico lendo os textos do velho.
Mas não ouvira mais falar disso desde que o velho professor se aposentara. Como que voltando à vida Hiram puxou uma cadeira quebrada para o homem que recusando preferiu ficar de cócoras, posição que ele já estava habituado. O homem olhou para o cientista e reiniciou seu relato:
_ Os portais estão espalhados pelos caminhos da cidadela, mas quase ninguém sabe da sua
existência, na verdade poucas pessoas acreditam nisso! Também nem sabem identificar os portais, desse jeito nunca encontrarão Picchu!
Birgham quase caiu da cadeira. Arregalou os olhos e perguntou bem baixinho, tanto que o homem teve que esticar o pescoço na direção do professor:
_ Onde você ouviu esse nome?
_ Eu lembro muito bem o meu avô que era inca me contou a historia umas cem vezes. Ele repetia tudo uma porção de vezes e achava que nunca tinha contado! Respondeu Melchor dando uma risada meio abafada que acabou terminando num acesso de tosse com cheiro de tabaco.
_ Mas o que tem os portais a ver com essa história que o seu avô contava? Perguntou o moço coçando o nariz discretamente.
_ Não sei muito bem, mas segundo o meu avô eles indicam o caminho para Picchu!
_ Mas Picchu existe mesmo? Não é um mito?
_ Eu não sei o que é esse "mitu"?
_ Não, mito! Hiram soletrou a palavra.
_ Bom, o meu avô era inca ele sabia tão bem essa história que me contou duzentas vezes sem
trocar uma letrinha! Eram cem vezes! Pensou Bingham fechando os olhos levemente.
_ Isso prova que seu avô conheceu os portais então?
_ Meu avô conheceu Picchu!
_ Conheceu? Redarguiu Hiram franzindo as sobrancêlhas.
_ Ele disse!
_ Se você ver algum desses portais, vai saber reconhecer?
_ Tenho tudo aqui na cabeça! Respondeu Melchor batendo com o indicador na fronte.
_ E quanto você cobraria para me guiar até estes portais? Indagou o jovem com os olhos brilhando.
_ Eu? Eu não quero nada! Só um pouco do tesouro para dar uma vida melhor para a minha família!
O coração de Hiram Bingham disparou ao ponto dele achar que iria ter algum enfarte. Jamais a cidadela inca esteve tão próxima assim como naquele instante, mesmo que essa possibilidade estivesse vinculada à história de um velho indio e seu neto maluco.
_ E quando você pode partir nessa viagem? Perguntou ao nativo.
_ Quando o Sr. quiser, eu já me despedi das duas mulheres e dos oito filhos! Respondeu o homem não se atrevendo a gargalhar de novo.
Hiram pareceu não escutar a resposta. Imediatamente sua cabeça começou a trabalhar intensamente. Em segundos calculou o que poderia carregar com duas lhamas que restaram quantos carregadores ainda dispunha.
_ Pronto! Estou de volta na estrada rumo a Picchu! Falou para ele mesmo.
Nisso o gordo chegou com mais uma jarra de vinho e aproveitou para participar da reunião:
_ Bem então o Sr. vai partir em busca de Vilcabamba?
O nome desta cidade fez com que o professor parasse de sorrir. Exatamente era essa a sua busca, Vilcabamba, Picchu era um mito nunca existiu a não ser na cabeça destes dois, avô e neto.
Uma nuvem de dúvida voltou a pairar sobre a cabeça do soturno cientista. Melchor continuava de cócoras observando a jarra de vinho que nunca descia até a mesa. A conversa de Hiram com o
taberneiro não lhe dizia respeito, mas a sua divagação em torno da jarra de vinho foi interrompida pela voz do arqueólogo:
_ Você já ouviu falar de Vilcabamba?
_ Sim! Respondeu secamente o homem aproveitando um cochilo do gordo para pegar um copo cheio de vinho.
_ E o que você sabe dessa cidade? Hiram perguntou antes do pobre nativo levar o copo até a sua boca sedenta.
_ O Sr. me desculpa Dr. mas essa cidade não existe mais, sobrou pouca coisa dela!
_ Esse pobre homem não sabe o que está falando Dr. Vilcabamba existe e fica lá na montanha! Interrompeu o gordo muito irritado. Melchor olhou para Bingham e disse categoricamente:
_ Vilcabamba nunca foi na montanha, ela está milhões de metros antes! Falou com voz pausada.
Hiram descontou os mihões sabendo que uma característica dos nativos da região era de sempre aumentar as distâncias e alturas para dificultar a vida dos arqueólogos que vinham atrás dos tesouros. E essa estranha mania acabou se perpetuando ao ponto deles perderem a noção das medidas. O taberneiro parecia disposto a iniciar uma discussão com Melchor, neste momento o professor resolveu sair e levar o nativo junto. Os dois saíram da taberna, Melchor não conseguiu sorver um só gole de vinho. A chuva cedera em parte apenas uma chuvinha ainda caía sobre o vale imenso. Os dois pararam sob um precário toldo onde os viajantes deixavam as mulas e lhamas, Hiram quebrou o silêncio:
_ Você afirmou que Vilcabamba não é na montanha, não foi?
_ Sim!
_ Não há uma cidade perdida na montanha?
_ Sim! Picchu!
_ Picchu? Repetiu Hiram pensativo. Ele tinha um plano de encontrar a última cidadela inca que ele julgava perdida nas montanhas, mas que era Vilcabamba, pois Picchu era um mito. Agora ele tinha nas mãos um plano errado e um índio maluco que jurava que a cidade perdida era Picchu e não Vilcabamba. Bingham passou as duas mãos nos cabelos e suspirou. Finalmente após alguns segundos de brevíssima meditação, decidiu:
_ Vamos preparar os mantimentos Melchor e vamos partir para a montanha!
Melchor que até agora só ouvia não estava entendendo muito abriu os longos braços e exclamou:
_ Vamos Dr. Vim lhe encontrar para isso mesmo!
Após uma curta caminhada na lama os dois chegaram em uma espécie de galpão, ou que lembrava algo de um galpão. Embaixo do telheiro estavam uns dez nativos e quatro lhamas. Assim que entrou Hiram deu ordens para os indios carregarem as lhamas enquanto ele ficaria encarregado dos equipamentos técnicos como teodolitos, máquina fotográfica e algumas ferramentas de sondagem geológica. Melchor ficou parado olhando todo aquele movimento frenético o qual ele não estava entendendo absolutamente nada. Perto das doze horas, toda parafernália estava dentro das respectivas mochilas e sobre as lhamas carga pesada.
Os carregadores se dirigiram para fora do telheiro levando consigo todo o material e as lhamas.
Reuniram-se defronte o precário galpão esperando Hiram que terminava de preparar a sua mochila. Melchor continuava dentro do galpão de vez em quando dava uma olhadinha para o céu tentanto fazer uma previsão meteorológica. Hiram notando a ausência do nativo nos preparativos perguntou:
_ Não vai levar nada Melchor?
_ Ah! Para onde estão indo Dr.? Perguntou o homem sinceramente confuso.
_ Para a montanha oras! Respondeu o professor meio contrariado.
_ Mas professor, com essa carga toda nós não vamos passar da primeira puente!
_ O que você quer dizer?
_ Eu quero dizer que no máximo vamos chegar até a baixa da montanha com essa gente e toda essa carga aí!
_ Mas não podemos partir sem os mantimentos! Como vamos viver?
_ Mas professor, essas lhamas e esses carregadores com toda essa carga, vão morrer na primeira puente! Acho melhor eles ficarem aqui ou ficarem na baixa acampados!
Bingham olhava para Melchor sabendo que ele tinha razão, Mas alguma coisa estava errada e resolveu perguntar:
_ Por que você não quer os carregadores?
_ Professor eles só vão atrapalhar a gente! Nós não precisamos deles!
_ Então vamos todos até o sopé da montanha e lá decidimos o que fazer!
_ Certo! Respondeu Belchor fazendo um gesto que lembrava uma continência, o que arrancou um risada do cientista.
A jornada Começou logo após acertarem todos os pontos e posições das lhamas. Na frente Hiram e Melchor logo após dois guias oito carregadores e as lhamas fechando o cortejo. Melchor pegou a mochila pessoal de Hiram e colocou nas costas. De seu mesmo o nativo só levava um facão alguns amuletos no pescoço e uma pistola de dois tiros na cintura. De roupas para o frio, só a sua capa de lã que também servia para lhe proteger da chuva. O caminho era longo, no início tranquilo pois até o outro dia de manhã eles andariam por uma estrada de terra, portanto não precisariam nem acampar. O problema era a chuva que estava ameaçando cair a todo momento.
Após a noite toda caminhando e só parando algumas vezes para descansarem e comer alguma coisa rápida, a expedição chegou ao sopé da montanha. Neste momento Bingham compreendeu porque da aflição de Melchor com relação ao equipamento. Para atravessar as correntezas ruidosas do Rio Urubamba, só havia alguns longos troncos de madeira unidos por cipós. Essa era a puente. Então a partir dali era pegar as mochilas deixar alguém cuidando das lhamas e atravessar o rio. Engano, Melchor abriu os braços para impedir que os carregadores começassem a baldeação ao que Hiram perguntou:
_ Mas o que houve?
_ Não Dr.! Vamos só nós dois!
_ Mas e os outros da expedição?
_ O senhor me falou que estava sem dinheiro não falou?
_ Sim!
_ Acerte com a maioria e deixe apenas um acampado aqui com as lhamas vamos só nós para a montanha! Bingham não discutiu com o guia, novamente ele tinha razão.
Foi assim então que enquanto sua equipe voltava para o "conforto" da vila, Hiram Bingham e seu então já fiel guia Melchor Arteaga partiram para os dois picos além do rio. Melchor apontou para as duas pontiagudas montanhas e disse os nomes: "Huayna Picchu e Machu Picchu" Bingham anotou os nomes em sua cardeneta deu para Melchor um dolar de prata. O nativo que não esperava aquilo abriu um sorriso e colocou a moeda no bolso. Hiram até pensou que o indio se emocionara, bem pelo menos um pouco. Engano Melchor não se emocionaria, ainda.
Continuaremos